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COMO O FINANCIAMENTO COLETIVO PODE LHE AJUDAR A CONCRETIZAR A SUA IDEIA

Ressuscitando a velha “vaquinha”, o sistema atinge muito mais pessoas graças à internet.

Nayra Wladimila. Janeiro de 2014.

A cena é fácil de imaginar: uma pessoa simples, geralmente jovem, veste sua melhor roupa ao entrar em um escritório congelante onde trabalha alguém muito rico e dono de uma empresa. A pessoa então começará um discurso ensaiado na frente do espelho, colocando em cima da mesa do ricaço alguns esboços de um projeto que precisa ser inovador e ao mesmo tempo palpável o suficiente para que o dono da empresa resolva investir uma boa quantia de dinheiro nele. Os chamados “investidores anjos”, estes donos de capital que compram ideias alheias por muito dinheiro, sempre existiram, assim como os concursos para empreendedores que premiam os melhores planos. Porém, muitos projetos morriam antes mesmo de começarem, por um problema simples: nem todo mundo conhece um empresário rico ou tem a sorte de ganhar um concurso. Este cenário começou a mudar em 2009, quando um grupo de americanos fundou o site Kickstart para apoiar eventos culturais.

Ao final de 2013, o Kickstart divulgou o balanço daquele ano: 480 milhões de dólares levantados para 19.911 projetos, sendo que os doadores eram de 214 países de todos os continentes – aumento de 50% em relação a 2012. Tamanho sucesso inspirou o surgimento de versões brasileiras da plataforma: a maior do país, Catarse, existe desde janeiro de 2011 e no ano passado reuniu 13 milhões de reais para 850 projetos – segundo a própria página dele na rede social Facebook, a quantidade superou a da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, que repassou 13 milhões para cinco projetos. A grande maioria dos cadastrados procura recursos para a promoção de eventos culturais e filantrópicos, havendo até sites especializados nestas áreas, como o Queremos e o Juntos.com.vc, por uma razão simples: o sistema começou entre os amigos dos donos, pois ele trabalham nestas áreas. Mas os pequenos empresários já respondem por 32% do número de pessoas inscrevendo projetos: as plataformas são alternativas para captar recursos para experimentos que ficavam de lado em relação aos gastos com infraestrutura e pagamentos de funcionários.

Como entrar nessa?

O sistema destes espaços é semelhante: o idealizador primeiro precisa sentar-se e pensar no que quer produzir, como usará o dinheiro captado, por que é importante realizar o seu trabalho e a que pé ele já está. No site do Catarse consta que o rascunho do projeto deve responder estas perguntas e também englobar um vídeo de apresentação que ficará disponível na sua página (ele pode já estar pronto ou ser somente um esboço); recompensas para os doadores; mapeamento dos contatos (o site aconselha procurar as pessoas que você conhece em redes e jornais); a quantia necessária e o prazo para adquiri-la; dentre outros itens obrigatórios para a equipe de seleção. Sim, há uma equipe que lê todos os rascunhos enviados e escolhe os que mais se parecem com a proposta dela – resposta que pode levar até quatro dias no Catarse e que conta com conselhos para melhorar sua ideia. O Juntos.com.vc possui uma assessoria para ajudar a formatar o projeto final e o seu plano de comunicação, sendo comum a readequação da meta de arrecadação para mais ou para menos do que foi proposto dependendo do potencial do plano – auxílio responsável pelos 75% de projetos bem-sucedidos até agosto de 2013.

Alguns documentos de praxe também são pedidos no cadastro para facilitar o controle e o recebimento da doação: CPF, RG ou semelhante, visto permanente no caso de estrangeiros, comprovante de residência e conta bancária no Brasil para pessoas físicas; ou então a razão social, o CNPJ, o comprovante de residência, conta no Brasil e CPF e RG de um dos sócios para o caso de ser pessoa jurídica. E até menores de idade podem inscrever projetos desde que seus pais ou professores realizem o cadastro no nome deles.

Terminada a parte burocrática, a página precisa ser divulgada em até sessenta dias, prazo final da arrecadação e que é estipulado tanto pelo Catarse quanto pelo Impulso, especializado em empreendedorismo e organizações sociais feitos por pessoas de baixa renda. O botão para doações fica ao lado do vídeo da campanha, e o valor alcançado até aquele momento também é bastante visível. A quantia mínima de doação não dói no bolso: dez reais, pagos geralmente pelo PayPal, sistema de transações virtual muito usado para comprar pela internet. Se o plano for um sucesso, o projeto é realizado e os organizadores devem entrar em contato com os apoiadores para a entrega das recompensas, que vão desde um simples “obrigado” por email até ingressos e exemplares do produto. 

No Impulso também é pedido que o dono do projeto atualize-a de vez em quando para que as pessoas saibam que mudanças aquele trabalho acarretou na sociedade. Há ainda uma porcentagem cobrada em cima da arrecadação: 13% no caso do Catarse, para manutenção do site e taxas do sistema de pagamentos online. E o que acontece se o projeto não der certo? Aí é que está: todo o dinheiro é devolvido para os apoiadores – ou seja, a doação não é feita às cegas como em muitos outros lugares.
Mas não há motivo para ter medo: mais da metade dos negócios vai para a frente. Alguns (8,5% no Kickstarter) conseguem o dobro do almejado. Foi o caso da 3Doodle, a “caneta 3D”, que ajuda escultores e projetistas ao derreter e solidificar filamentos de plástico graças a um exaustor e dois botões que controlam a velocidade do plástico que sai de sua ponta. Com um pedido de 69 mil reais no Kickstarter, ela alcançou 5,3 milhões de reais, segundo o site de tecnologia TechTudo.  O Pebble (relógio que também possui Bluetooth, alertas do Facebook e do Twitter, marcações de distância e velocidade percorridas, dentre outras funções) também se deu bem: queria 100 mil dólares e conseguiu mais de 10 milhões. A expectativa foi superada de tal forma que a empresa responsável por ele teve que estender o prazo para conseguir entregar as 84 mil unidades a mais que foram encomendadas – esperavam-se apenas mil pedidos.
   37% dos realizadores tem entre 25 e 30 anos, mas 15% tem entre 41 e 60 anos e 2% mais de 60 anos
Os casos de sucesso também existem no Brasil. No site Impulso, há histórias como a de um pernambucano de 42 anos que precisava comprar uma balança eletrônica para diminuir o desperdício e aumentar as vendas das bombas de chocolate e trufas que complementam a renda de vários membros de uma associação de artesanato. Sua meta era de 1350 reais e ele conseguiu 1795, sendo que o maior número de doadores depositou entre 10 e 25 reais.
Thiago Maia, sócio da empresa de consultoria ambiental MateriaBrasil, conseguiu recursos para dois projetos no Catarse: o porta-laptop planificável e a renovação do site do MateriaBrasil. Somando os dois, foram mais de cinquenta mil reais juntados, oferecendo como recompensas produtos de parceiros, “com foco na redução dos impactos ambientais de suas produções”, conforme ele mesmo explica.

Maia conheceu o crowdfunding (nome em inglês para financiamento coletivo) em 2010, “quando ainda não existia esse modelo aqui no Brasil” e interessado na ideia se tornou um dos cofundadores do Catarse, indicando o site para seus amigos. A comunidade de financiamento começou como pequena empresa conhecida em círculo restrito e agora abre espaço para que outros micro e médio empresários façam o mesmo; e apesar dos projetos mais caros ainda serem os eventos culturais e de eles serem numerosos, a maioria dos que enviam rascunhos são donos de negócios, segundo um perfil dos usuários da comunidade virtual realizado em parceria entre o Catarse a empresa de pesquisa Chorus. A procura pelo método está crescendo e tem muitas vantagens: contrai menos dívidas com bancos, o que é ótimo para quem está iniciando no mercado; funciona como termômetro da aceitação de produtos e serviços; fortalece a rede de contatos já existente e atrai potenciais clientes e parceiros. Nos Estados Unidos ainda é comum descontar doações do imposto de renda e oferecer uma espécie de sociedade com os apoiadores, práticas que podem ser adotadas em médio prazo por estes lados.

Cuidado com o fracasso

Então você se empolgou e já está pensando no rascunho, na divulgação e no aparecimento das primeiras doações? Certo, mas antes de meter a cara é bom lembrar que não existe dinheiro fácil e que é preciso planejar muito bem sua campanha para que ela não entre na porcentagem das que não atingem os recursos pretendidos. Uma boa maneira de começar é sabendo qual é a demanda: no perfil traçado pelo Catarse, há um gráfico mostrando que as pessoas participantes têm mais vontade de ajudar os projetos que envolvem educação, artes (cinema, música e literatura, principalmente), meio ambiente, ciência e tecnologia. Quando perguntadas quais áreas acreditam carecer de projetos interessantes, a campeã foi a educação de novo, enquanto que “meio ambiente” e “mobilidade e transporte” saltaram para o segundo e terceiro lugar, aparecendo também “comunidade” e “negócios sociais”. O público se sente bem ajudando os outros, mesmo não os conhecendo, e também apoiando ideias úteis que vão suprir necessidades básicas – daí o porquê de existirem plataformas como a Impulso e a Juntos.com.vc.

Outra dica é não pensar alto demais na meta: para a revista Exame, especializada em negócios, um pedido mais caro do que 60 mil reais pode não sair do papel, sendo melhor dividi-lo em etapas. Os pequenos empresários levam vantagem neste ponto, segundo a publicação: eles costumam ser mais objetivos na hora de explicar o que vão fazer com o dinheiro, fator considerado muito importante para 72% dos que apoiam alguém no Catarse e para os 64% que apoiam os que são transparentes com seus objetivos.
 Os projetos recebem dinheiro de 130 pessoas, em média.
Tendo posse de uma boa ideia e sabendo exatamente como concretiza-la, você já tem meio caminho andado. Por isso, é muito bom que um grande número de pessoas fique sabendo dela, e o segredo pode estar mais próximo do que você pensa: dentro do seu círculo de amizades. Seus amigos e sua família são nada menos do que 72% dos apoiadores de 2 a 5 mil reais e 48% dos entre 20 e 50 mil reais doados pelo Catarse. É uma relação óbvia: os que arrecadaram mais dinheiro foram os que conseguiram expandir a rede de apoiadores e os que fracassaram apontaram justamente as falhas na propaganda como a causa predominante.

É muito comum alguém inscrever um projeto e depois deixa-lo às moscas, achando que já fez sua parte avisando alguns amigos. Não é bem assim: “se organize, mantenha a comunicação sempre ativa”, aconselha Thiago Maia. A revista Exame reforça: por que não aproveitar as redes sociais para a sua campanha? Relembrar as pessoas do seu projeto constantemente e avisar a quantas anda a sua página amplia a confiança em você, pois elas verão que o apoio delas está gerando resultados. Quem não é usuário assíduo pode usar ainda panfletagem e o velho boca a boca. O próprio vídeo do projeto, obrigatório no cadastro, atrai doadores no site e também pode ser compartilhado em outros lugares; além disso, ele é o primeiro contato do seu projeto com desconhecidos e potenciais apoiadores. Por isso, torne-o algo atraente: os seus amigos e parentes doarão em sua maioria por afeto, mas eles precisam se sentir motivados a compartilhar sua ideia para que ela atinja a segunda esfera de apoio, os amigos dos amigos, para então chegar ao interesse geral.

Apesar de difícil, não é impossível: um bom discurso, um vídeo crível e propaganda podem ajudar mesmo que você não seja alguém com muita influência, o que pode ser confirmado pelo fato de 66% dos doadores no Catarse considerarem a qualidade da apresentação de um projeto antes de clicar em “doar”. Maia explica que tudo isso é possível fazendo uma campanha constante, mas não repetitiva: “gere conteúdo complementar ao seu projeto. Conte a história por trás da sua ideia – o que te motivou a cria-la, seus objetivos, os passos já percorridos. Mande e-mails e mensagens com o nome da pessoa. Seja sincero e transparente”.

E as recompensas? Elas são determinantes no valor da doação – para 53% dos investidores no Catarse, especificamente. Em sites como o Queremos, que trabalha com produções de shows, não é raro os doadores receberem o pagamento de volta se houver uma margem de lucro muito alta. A iniciativa pode ser imitada também pelos empreendedores. No caso deles, é mais comum fazer marketing de quem os ajudou: o instituto Asas, criado pela marca de bebidas energéticas Red Bull para apoiar negócios sociais, de vez em quando ganha um selo em sites e produtos de pequenos e médios empresários. Aliás, a rejeição a empresas de grande porte e instituições do governo no financiamento coletivo é alta, mas uma parte do público aceita que empresas ajudem quem compartilha da mesma causa que elas.

O que mais acontece mesmo é a distribuição de agradecimentos, brindes e exemplares do produto, como foi com o microempresário dono das bombas de chocolate, que entregou livros de receita e caixas de bombons para quem doasse a partir de 50 reais. Maia, que também ofereceu exemplares nos seus dois empreendimentos realizados por meio do crowdfunding, atenta somente para a dificuldade de entrega de algumas recompensas: é um item que precisa ser viável, e por isso, bem pensado.

Mesmo os que não conseguem emplacar nos sites acabam ganhando nem que seja clientes novos, e nada impede que eles tenham uma reserva de dinheiro para atingir o valor que falta – sugestão dada por um usuário do Catarse que respondeu ao questionário da pesquisa. Quem consegue arrecadar tudo põe o projeto em prática, trabalho às vezes tão difícil quanto conseguir os recursos. “Erramos muito, e aprendemos muito com nossos erros”, começa o sócio do MateriaBrasil. “O erro deve ser visto como aprendizado, ser compartilhado com entusiastas do seu trabalho. Após nossa campanha eu posso dizer que ganhamos muita experiência e mais pessoas atentas ao que fazemos”, afirma.
 Ao serem perguntados o que os levam a doar: 88% porque se identificaram com a causa, 71% confiaram no potencial do realizador, 70% gostaram da apresentação do projeto
Vença o medo

O que talvez seja a maior barreira para uma consolidação efetiva do crowdfunding no Brasil é a falta de costume de usar a internet para os negócios. As transações virtuais ainda são vistas com desconfiança por várias pessoas e as organizações pequenas (e algumas grandes, também) subestimam o poder da virtualidade para alavancar suas vendas e fortalecer sua relação com os clientes. O Instituto para o Desenvolvimento Social, o IDIS, ao analisar o sistema do Juntos.com.vc, notou que a própria organização precisou divulgar seu método para as ONG´s no seu primeiro ano de funcionamento. Soma-se a isso que muitos dos doadores apoiam um único projeto, que geralmente foi o que os fizeram abrir a página da comunidade.

Porém, na própria pesquisa do Catarse aparece um dado que indica mudanças nesse panorama: quase metade dos apoiadores clica em outros projetos visíveis, 20% segue os perfis da comunidade nas redes sociais e muitos usuários retornam ao site e doam para outros projetos. O financiamento coletivo apresenta-se como luz no fim do túnel para quem nunca teria chances de pôr suas ideias em prática. Ele continua crescendo e encorajando mais pessoas. Maia, sócio do MateriaBrasil, é categórico: “É uma alternativa que veio para ficar. Se eu pudesse dizer algo sobre empreendedores que utilizam o modelo, é ‘parabéns por tentarem uma coisa nova’”.

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